AMOR AO PRÓXIMO, A MAIOR LIÇÃO DO CAMINHO

Há exatos 2 anos eu fazia a minha 12º etapa do caminho, de Santo Domingo de la Calzada à Belorado – aliás, Santo Domingo tem uma das lendas mais famosas do Caminho,  se não conhece, você precisa ler o post que escrevi sobre ela. Eu estava extremamente feliz, desfrutando da paisagem e do carisma das pequenas vilas que ia encontrando pelo caminho, entretanto o mais interessante não foi o que aconteceu nesse dia, mas sim os fatos que o precederam.

Tudo começou sete dias antes, em minha 5ª etapa (Puente la Reina – Estella), eu estava enturmada e já havia feito amizade com a maioria dos peregrinos que iniciaram o caminho no mesmo dia que eu, por isso nem senti os constantes sobe e desce dessa etapa, afinal passei o dia conversando entre um grupo e outro de peregrinos vindos dos quatro cantos do mundo, rindo muito e comendo uvas, figos e maças diretamente do pé, eu já falei sobre essa divertida etapa em um outro post .

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O problema foi que eu me empolguei com as companhias tão agradáveis, que deixei os meus bastões presos na mochila o dia todo, ao invés de utilizá-los, como qualquer pessoa sensata faria, afinal eu já estava com um pouco de dor nos joelhos devido a descida alucinante do Alto del Perdón – aliás, também tenho uma passagem muito divertida nesse local.   Como sempre repito aqui no blog, não se preocupe com as subidas, elas apenas cansam, mas sim com as descidas, são as “falsas amigas”, capazes de te derrubar e te machucar de verdade. Bem, o resultado desse dia tão especial foi uma dor terrível nos dois joelhos.

Aceitando que eu estava com um problema

Os dois dias seguintes foram marcados por muita dor, comprei um par de joelheiras que me deixava parecendo um cyborg, ajudou muito, mas estava longe de resolver o problema. Na 7ª etapa, Los Arcos – Viana, eu despachei a minha mochila, na tentativa de reduzir o esforço e diminuir a dor, mas mesmo assim foi muito difícil, acabei sendo a última a chegar em Viana, aliás uma cidade medieval linda, que ainda conserva parte das muralhas do século XIII.

Apesar de estarmos no final do outono, época que diminui muito a quantidade de peregrinos, “minha turma” era grande e lotou o albergue. Já estava claro que eu não tinha condição de continuar daquela forma, decidi que não caminharia no dia seguinte, iria descansar, procurei não pensar muito nisso, pois era difícil me afastar daquela galerinha tão gente boa. Tive uma noite maravilhosa de confraternização,  que começou tomando um vinho em um bar com mesas na calçada, onde o italiano Simone revelou que havia sido cantor profissional e deu uma belíssima demonstração do seu talento, que ecoou por todas as ruas estreitas de Viana, foi lindo de ouvir. Depois jantamos um maravilhoso menu do peregrino em um restaurante da cidade, acompanhado de mais vinho, evidentemente. Esse estava tão bom que até hoje fico com água na boca só de lembrar. Foi uma noite inesquecível.

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No dia seguinte, por não gostar de despedidas, eu dormi até às 8h00, só levantei depois que todos já tinham saído. Passei o dia sozinha, com dor e um pouco angustiada, como se estivesse pressentindo que nunca mais encontraria aquelas pessoas que eu gostava tanto! E eu estava certa, pois a maioria delas eu nunca mais vi, e uma pequena parte eu só fui encontrar novamente em Santiago. É impressionante como a gente se apega rápido as pessoas!

Por incrível que pareça, naquela noite apenas 6 peregrinos chegaram ao albergue. A dinâmica do caminho é muito louca, em um dia um monte de gente, no outro, meia dúzia de gatos pingados. Os 6 recém-chegados eram totalmente novos para mim, pois eu ainda não os havia encontrado.  Roberto, um senhor italiano, com cara ranzinza, mas que é um amor – parecidíssimo com o sr. Fredericksen do filme Up, fez uma macarronada para os que estavam ali na cozinha, eu, um holandês, um irlandês e uma neozelandesa, passei o jantar traduzindo a conversa dos outros para o Roberto, o mais engraçado dessa história é que ele só falava italiano, e eu não falo italiano!!!! Hahahaaah. Não tente entender, são coisas do caminho.

Nas etapas 9, 10 e 11, a dor não deu trégua, e eu caminhava muito devagar. O lado bom é que essa lentidão me dava a oportunidade de enxergar a beleza sutil das coisas que geralmente nos passam despercebidas, como as pequenas flores silvestres, o som suave dos pássaros contrastando com o ruído rústico dos meus passos, o orvalho na teia de aranha, o lindo arco-íris depois da chuva, são pequenos presentes para aqueles que padecem. Foram dias muito solitários, primeiro porque durante o dia eu andava como uma tartaruga, ninguém suportava me acompanhar, eu fazia etapas de no máximo 20km, enquanto muitos preferiam caminhar um pouco mais, e pra piorar, quando chegava à noite nos albergues, em geral estavam vazios, e os poucos peregrinos presentes já estavam enturmados em pequenos grupos, e embora fossem simpáticos comigo, não rolava uma sintonia bacana.

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O novo milagre de Santo Domingo de la Calzada

Quando cheguei em Santo Domingo de la Calzada, no meu 11º dia de caminho, eu estava um bagaço, sentia tanta dor, e estava com o espirito tão abalado que sentei em um banco e comecei a chorar. Tinha certeza que não iria conseguir continuar. Eu não entendia como isso poderia estar acontecendo, eu estava bem preparada fisicamente, e embora eventualmente sentisse uma pequeníssima dor nos joelhos, nunca tinha sido um incômodo, isso nunca tinha me parado. Eu de fato estava arrasada. Fiquei ali sentada, uns 40 minutos, me recuperando para conseguir chegar ao albergue Casa de la Cofradía del Santo, um dos melhores do caminho, que pra minha sorte tinha até elevador. É um prédio ótimo, reformado recentemente, com uma excelente estrutura, onde fui muito bem recebida e incentivada a ir ao médico.

Depois de tomar banho e descansar um pouco, lá fui eu ao hospital, devagar e sempre. O pronto socorro estava tão vazio que parecia ter sido evacuado devido a um surto de ebola, nunca vi um hospital assim, demorou um pouco para eu ser atendida, porque provavelmente foram chamar a médica na casa dela, visto que não tinha ninguém ali pra ser tratado. Aqui vale uma observação importante, peregrino tem direito a atendimento médico gratuito nos hospitais do caminho, basta apresentar a credencial. A médica me disse para descansar uns dois dias e fazer etapas curtas até que eu me recuperasse, me deu um medicamento e desejou boa sorte.

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Voltei ao albergue ainda mais desolada do que quando saí. Estava sentada no canto da sala pensando o que eu faria, afinal eu não poderia me dar ao luxo de ficar mais dois dias parada e fazer etapas curtas que aumentariam os dias no caminho, pois eu já estava com a passagem de volta marcada. E pra falar a verdade, eu não contava com a possibilidade de não terminar, por isso estava muito chateada.

Foi nesse momento que ele apareceu, José Rafael o hospitaleiro.  Ele quis saber o que eu tinha, e perguntou se poderia fazer uma sessão de Reiki. Ficou ali conversando comigo e emanando energias uns 90 minutos. Quando ele terminou eu era outra pessoa. Eu não sabia, mas estava nas mãos de um professor de Reiki e de uma série de outras terapias energéticas e de relaxamento. O que ele fez parecia mágica ou milagre, a dor até então insuportável, era agora um ligeiro incômodo. Ele reestabeleceu não só os meus joelhos, como também o meu espírito, foi uma transformação incrível, algo difícil de explicar.

No dia seguinte, a dor quase não existia, e eu estava tremendamente grata por tudo que esse anjo que cruzou o meu caminho fez. Apesar da forte neblina, que geralmente me deixa um pouco depressiva, eu estava tomada por uma felicidade incrível, totalmente em sintonia com as boas energias do caminho, e certa de que chegaria até o fim, parecia que tudo que havia sentido não passava de um pesadelo ocorrido  há muito tempo. Depois de três dias, os meus joelhos estavam totalmente curados, sem nenhuma dor.

Algumas pessoas passam por nossas vidas por um breve momento, e mudam o curso das coisas. Eu devo o meu caminho à José Rafael, que fez o que todos nós deveríamos fazer sempre: se preocupar com o próximo, e não perder a oportunidade de ajudar alguém quando necessário. Essa é a verdadeira prática do amor ao próximo.  Sem ele, eu acho que não teria conseguido chegar à Santiago, não teria vivido experiências tão maravilhosas, conhecido tanta gente interessante, ter criado esse blog, inspirado centenas de pessoas a fazerem o caminho, enfim, eu não seria quem sou hoje.

¡Gracias amigo, que Dious te bendiga! (Obrigada amigo, que Deus te abençoe).

Ultreya, suseya y buen camino.

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2 Replies to “AMOR AO PRÓXIMO, A MAIOR LIÇÃO DO CAMINHO”

  1. Musa Rabelo Almeida says: Responder

    Eu também tive uns dias parecidos com o seu, dormi bem e acordei muito triste, fiquei assim uns 3 dias. Até que no terceiro dia estava caminhando sozinha e tive aquela sensação de ter alguém ao meu lado. E tinha. Eu não olhei mas tenho certeza que era meu anjo da guarda. Depois que essa sensação acabou eu estava tão bem que parecia que eu não estava caminhando e sim levitando. Obrigada Denise por despertar esse momento glorioso! Bjs.

    1. Denise Santos says: Responder

      A gente nunca está sozinha né! Talvez lá no caminho a gente acaba ficando mais sensível a esse tipo de coisa.
      bjs querida

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